No início do mandato de deputado federal fui um dos subscritores da Proposta de Emenda à Constituição 135/2019 de autoria da deputada Bia Kicis que estabelece a obrigatoriedade da expedição de cédulas físicas, na votação e no momento da apuração das eleições, de modo que possam ser conferíveis pelo eleitor e depositadas em urnas invioláveis com o objetivo de realizar auditoria. É o que se tem chamado no debate público de “voto impresso” ou, como prefiro, “voto auditável”. A proposta da deputada Bia Kicis, também por mim assinada, diz exatamente o que segue:
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Art. 1º O art. 14 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 12:
“Art.14 …………………………………………………………………………………………….
§ 12 No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria.”
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação.
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Sempre fui favorável ao aprimoramento no modo como são coletados e apurados os votos dados pelos eleitores brasileiros na urna eletrônica. Trata-se de algo natural, para mim: sempre que houver formas de melhorar algo e gerar ainda mais confiabilidade, melhor. E esse é o caso das urnas eletrônicas: se são ágeis e modernas, de um lado, devem também ter a forma de auditoria dos seus resultados com a mais fácil compreensão possível por parte do cidadão. Além disso, faz muito tempo que digo que o voto, eletrônico ou impresso, é apenas uma parte de um problema que considero muito maior: a enorme concentração de poder nas mãos de um único órgão, o TSE, no processo eleitoral: o mesmo órgão planeja, organiza, executa e proclama os resultados das eleições, além de ser a instância recursal caso haja dúvidas e a própria instância auditora. Isso não faz sentido!
Em novembro de 2015, quando o veto da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) à lei aprovada pelo parlamento que estabelecia o voto impresso foi derrubado pelo Congresso Nacional, assim me manifestei nas redes sociais a respeito: “Veto de Dilma ao voto impresso acaba de ser DERRUBADO pelo Congresso Nacional. Até que enfim uma notícia boa vinda de Brasília!”. Sempre aleguei que “o voto impresso é uma garantia A MAIS de que as eleições não serão fraudadas”. A lei à época, aprovada por quase todos os partidos, dizia o seguinte, e de forma quase idêntica à PEC ora em discussão:
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Lei 13.165/2015
Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.
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Com a derrubada do veto ao voto impresso a expectativa era a de que o sistema fosse implementado já nas eleições de 2018. Em junho daquele ano, no entanto, às portas das eleições gerais, o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender o que fora aprovado pelo Congresso em 2015, alegando que o voto impresso seria inconstitucional, em mais uma clara e lamentável interferência indevida da nossa Suprema Corte na vontade do Legislador.
Chegamos, pois, a 2021, e nos aproximamos de mais um novo ano eleitoral com a discussão do voto auditável pautada. No entanto, muitos que antes eram a favor, agora estão se colocando contrários sem fundamentar em argumentos técnicos suas motivações.
Eu me mantenho no mesmo lugar: favorável a um aperfeiçoamento do sistema de votação a partir da possibilidade de impressão do comprovante de voto (com o qual o eleitor não terá qualquer contato manual) e de auditoria independente em casos de dúvidas fundadas sobre o resultado de determinada eleição. Em novembro de 2016, quando ainda não havia me filiado ao Partido Novo, o próprio partido expressava, nas suas redes sociais, opinião idêntica à minha: “Voto eletrônico com comprovante impresso permite a rapidez atual com a possibilidade da recontagem física, se necessário”.
Equivoca-se, portanto, quem pensa que essa bandeira possui um “dono”, a saber, o presidente Jair Bolsonaro (aliás, curiosamente no passado o então deputado Bolsonaro defendia a adoção do voto eletrônico conforme registrado pelo Jornal do Brasil em edição de agosto de 1993). Os números da pesquisa PoderData, cujas entrevistas foram realizadas de 19 a 21 de julho, reforçam essa constatação de que o tema “voto impresso” vai muito além de preferências políticas por A ou B ou posturas eleitoreiras..
Segundo a pesquisa divulgada, 46% dos brasileiros são favoráveis à criação de um comprovante impresso de papel para o voto eletrônico nas eleições. Outros 40% dos entrevistados são contrários e 14% não possuem opinião sobre o tema. Para efeito de comparação, no caso da simulação eleitoral da pesquisa mais recente desse mesmo instituto, realizada de 02 a 04 de agosto, o presidente Bolsonaro possui 25% das intenções de voto no primeiro turno e no segundo oscila entre 32% e 34%. Note-se que esse desempenho eleitoral está bem abaixo dos 46% de apoio do voto auditável registrado pelo levantamento do final de julho. Além disso, a avaliação positiva do governo (ótimo/bom) é, segundo a pesquisa, de apenas 29% – bastante distante dos 46%.
Traduzindo: a demanda por voto impresso para possibilitar a realização de auditorias independentes vai além de uma simples posição típica de apoiadores de Bolsonaro, ampliando-se fortemente para outros segmentos eleitorais e, mesmo, sociais.
A discussão sobre o voto auditável não pode e não deveria ter sido contaminada pelo lamentável conflito criado entre o presidente da República e o presidente do TSE. Ela deve se dar de forma independente e técnica para não se tornar refém de defesas ou oposições extremadas, movidas por bílis e desprovidas de argumentos racionais. Sigo mantendo minha coerência: sempre defendi que a urna eletrônica, em que pese os avanços que trouxe ao aposentar a complexa cédula eleitoral das eleições brasileiras, precisa de aprimoramentos.
É risível, completamente absurdo, acreditar que exista algum sistema de votação 100% imune a fraudes ou, por outro lado, que a eleição de 2022 será necessariamente fraudada se a urna não contar com voto impresso. Contudo, a posição de ceticismo é característica de quem é liberal ou conservador, de quem defende um governo limitado: um incremento na transparência do processo de votação, com conferência simples, por parte do eleitor, de seu voto, sem que manuseie qualquer comprovante de papel na mão, ajudará a tranquilizar parcela do eleitorado que, independentemente de ser ou não majoritária, ou de ser ou não apoiadora de político A ou B, apresenta tendência à desconfiança sobre o sistema atual.
A desconfiança, aliás, diferentemente do ceticismo, é atitude que corrói a democracia! Aprimoramentos institucionais, como o voto auditável, são capazes de restabelecer a segurança que uma parcela dos eleitores precisam ter em relação ao processo de escolha de seus governantes.
É dever do Estado dar transparência ao processo eleitoral, preservando, por óbvio, o sigilo e a universalidade do voto, princípios constitucionais inegociáveis e previstos como cláusulas pétreas na Constituição Federal. O Parlamento, e não o Poder Judiciário ou a Justiça Eleitoral, é o soberano para realizar as mudanças necessárias para que, a partir da maior transparência, possa-se reforçar os laços de confiança entre os eleitores e a ferramenta através da qual sua vontade é recolhida e processada nas eleições. Em respeito à coerência que sempre tive e ao meu eleitor que sempre soube desse meu posicionamento, votarei A FAVOR da PEC 135/2019 quando for submetida à apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.
Marcel van Hattem
Deputado Federal (NOVO-RS)