Há exatos 20 anos, fomos surpreendidos pelas imagens de dois jatos comerciais se chocando contra as torres do World Trade Center, em Nova York. Não há quem, tendo assistido às cenas à época, não se lembre onde estava e o que fazia naquele exato momento. Pouco tempo depois seríamos informados de que, além das aeronaves sequestradas e propositalmente lançadas de forma covarde contra os edifícios, outro avião de passageiros se chocara contra o prédio do Pentágono, em Washington, D.C. Em seguida, um quarto avião de passageiros, cujo alvo teria sido a Casa Branca, veio a cair no interior da Pensilvânia antes de atingir o destino traçado pelos terroristas. Em resumo: uma audácia macabra sem precedentes.
Os atentados terroristas de 11/09/2001 não causaram somente a trágica morte de 2977 pessoas: eles inauguraram um novo padrão de reação dos Estados nacionais ao terrorismo conduzido por entidades como a Al Qaeda. São organizações terroristas que, conquanto não disponham do atributo da soberania, são frequentemente auxiliadas por Estados soberanos (vide a assistência recebida pela Al Qaeda da Arábia Saudita e o Afeganistão sob o Talibã) e deles dependem umbilicalmente para operar. Para cortar a cabeça da serpente, portanto, era preciso atacar quem lhe dava abrigo e financiava.
Os Estados Unidos, então governados por George W. Bush, não poderiam, porém, especular acerca das consequências que as invasões do Afeganistão, em outubro de 2001, e do Iraque, em março de 2003, ensejariam, tanto do ponto de vista geoestratégico quanto do humanitário. No Afeganistão, a presença militar e a formulação política norte-americana mostraram-se ineficazes para deixar um legado capaz de permitir às lideranças afegãs organizar um aparato estatal habilitado a resguardar os direitos da população e fornecer-lhe serviços básicos. A retomada do poder pelo Talibã, quase sem oposição, na esteira da evacuação das forças militares norte-americanas, no mês de agosto passado, indica que a estratégia política e militar dos EUA para o Afeganistão poderia e deveria ter sido melhor formulada e implementada. O que temos hoje, na prática, é mais um “estado falido” em grau máximo – ou “estado frágil em nível de alerta máximo” segundo a classificação do think tank norte-americano Fund for Peace.
Já no Iraque, o desmantelamento do regime de Saddam Hussein que se seguiu à ocupação militar norte-americana é hoje exemplo clássico de visão estratégica que deixou a desejar. A guerra iniciada em 2003 não apenas contribuiu para lançar o país árabe numa conflagração civil intermitente que já ceifou as vidas de mais de um milhão de civis, como também consolidou o Irã como potência hegemônica no Oriente Médio. Essa preeminência geoestratégica do país persa habilitou-o, inclusive, a agir para acirrar os quadros de instabilidade política no Iêmen e na Síria, além do próprio Iraque.
Decorridos vinte anos desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, dois grandes conjuntos de consequências deflagrados por aqueles eventos, associados às respectivas invasões do Afeganistão e do Iraque, apontam para um êxito muito limitado da política externa dos EUA no combate ao terrorismo.
É verdade que não houve atentados terroristas de grande escala em território norte-americano desde 2001, o que decorreu também de inúmeros procedimentos mais rígidos de segurança externa e interna. Além disso, mesmo os ataques perpetrados em Madri, no ano de 2004, e em Londres, no de 2005, entre outros, apesar de contar no total a triste monta de centenas de vidas perdidas, não são comparáveis aos eventos de 11/09/2001 em número de vítimas e destruição material.
Por outro lado, as situações política, econômica e humanitária em países que têm servido como bases para organizações terroristas estão muito piores hoje do que estavam em 2001. Tomemos, por exemplo, os casos da Síria, do Iêmen, do Iraque e do Afeganistão. Na Síria, a guerra civil que já se estende por dez anos custou as vidas de meio milhão de pessoas. Repito: mais de 500 mil pessoas! Lá, a atuação das grandes potências, sobretudo da Rússia, tem contribuído para prolongar o conflito. No Iêmen, o conflito civil iniciado em 2014 resultou, até o momento, na perda de 230 mil vidas, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários. O país localizado ao sul da península arábica se converteu em arena para disputas entre potências regionais, em particular a Arábia Saudita e o Irã. Apenas nos conflitos sírio e iemenita falamos em mais de 730 mil pessoas que perderam suas vidas em virtude de disputas políticas e guerras civis.
Já o Iraque pós-Saddam Hussein é um Estado política, administrativa e militarmente disfuncional, sem um governo central efetivo. Por fim, o contexto de vulnerabilidade em que se encontram mulheres e crianças no Afeganistão após a retomada do poder pelo Talibã, amplamente exposto pela mídia nacional e internacional nas últimas semanas, é um triste indício de que o país centro-asiático poderá regredir à condição em que se encontrava entre 1994 e 2001, período correspondente ao primeiro regime do Talibã, cuja ascensão ao poder foi em considerável medida uma consequência de longo prazo da desorganização do Estado afegão a partir da invasão soviética, em 1979, e não uma “evolução natural” dos mujahedeen auxiliados pelos EUA na década de 1980. As fileiras da primeira geração do Talibã eram majoritariamente integradas por indivíduos da geração imediatamente posterior à da maioria dos mujahedeen que combateram os soviéticos entre 1979 e 1989, conforme apontado pelo historiador Ali Olomi, professor de História islâmica e do Oriente Médio da Universidade da Pensilvânia.
O Brasil, por meio de seu Governo e do Congresso Nacional, deve se empenhar na mitigação do sofrimento das populações civis nesses países tão tristemente afetados por conflagrações civis e violência generalizada. Nesse contexto, foi muito bem recebida a notícia de que o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública assinaram, em 3 de setembro, portaria que regulamenta a concessão do visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela situação de grave ou iminente instabilidade institucional ou de grave violação de direitos humanos ou do Direito Internacional Humanitário no Afeganistão.
Vinte anos depois dos ataques de 11 de Setembro, a medida demonstra o renovado compromisso do Brasil com os princípios que orientam o Direito Internacional Humanitário e a resolução do País no sentido de fazer sua parte para remediar a situação de populações civis extremamente vulneráveis. É nosso dever, nesse momento de memória às vítimas dos ataques em solo americano, seguirmos atentos ao cenário internacional para, apesar das circunstâncias ora desfavoráveis, concorrer para a mitigação do sofrimento daqueles a quem devem ser garantidos os mesmos direitos humanos que nós tomamos, até mesmo, por banais: liberdade de expressão, de reunião, de religião e igualdade de direitos entre todos os cidadãos, independentemente de cor, origem ou sexo, por exemplo.
Vinte anos depois, o Brasil e a comunidade internacional, com seus acertos e, sobretudo, aprendendo com seus erros, precisam seguir tendo forte compromisso com a busca da paz e da prosperidade em todas as nações e no combate firme a toda forma de discriminação e de terrorismo. Fica aqui minha homenagem às vítimas de 11 de Setembro e a todas as que se seguiram em virtude daqueles ataques: suas vidas não poderão ter sido perdidas em vão. Combater o terrorismo, o radicalismo e o autoritarismo deve continuar tendo a mais alta prioridade na agenda do nosso País e da comunidade internacional.
Marcel van Hattem
Deputado Federal (Novo-RS)